by Max Barry

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The Empire of Herya

“L'état c'est moi” Emperor Heirich

Category: Left-wing Utopia
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Frightening
Political Freedoms:
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Regional Influence: Contender

Location: Portugal

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4

Natal, o tempo de esperar

Às vezes lembro; algumas vezes lembro de coisas que aconteceram naquele ano de 2000 e pouco mais. Poucos anos depois do crash, depois da Primavera Árabe vir e ir, de o seu Inverno chegar, de todas as guerras serem lutadas e se continuarem a lutar... bateu como que de surpresa e nenhum de nós quis entender que assim era.

Se no início do ano as coisas pareciam normais e a piada recorrente era a guerra no Irão, bem se mudou a nossa sina, e agora rimos igualmente, talvez para não chorar a nossa situação que talvez provenha de um qualquer castigo à nossa presunção.

Em março deparei-me com o mundo; eu estava cá dentro, para lá situava-se tudo o que existia por aí fora, para além dessas janelas e eu, eu estava preso. Estávamos todos presos e todos algum momento nesses meses nos prendemos daqueles que nos rodeavam como tendemos a fazer.
Mas resolvi dormir, resolvi deixar-me de estar consciente, talvez hibernar ou até estivar, pois que vinha o tempo quente, e deixar a situação caótica ultrapassar-me.

...

Levantei-me meio que a dormir, aconchegado; o ar estava quente nessa manhã, mesmo dentro do meu quarto pequeno. Os dias são enormes agora: acordo e já é dia há horas: o relógio marcava 9 em ponto.
Para os interessados, era um relógio Geox, mas, felizmente para mim, não respirava, parece que a revolta das máquinas estava e está ainda longe.
Abri os estores, olhei pela janela adiante, em direção aos montes e colinas e vales e essa cor verde e amarela dessas ervas secas e outras vivas e era vê-las, dançarinas... tinham acordado mais cedo que eu, pois claro. Lá em baixo o campo de futebol ainda não tinha sido invadido por nenhum jogador.
Ainda ninguém se tinha lembrado de pisar o betão para chutar a bola naquelas redes desfeitas.
E se caíssem e se esfolassem?
Eu sei que uma vez caí ali, foi há algum tempo; noutro dia sei que um amigo meu torceu o tornozelo, caíram-lhe em cima, nesse mesmo campo enquanto jogávamos futebol. Jogávamos à bola na verdade, tenhamos respeito pelo desporto esse que nunca soube jogar.

Os exames pareciam tão longe, era difícil de saber se vêm mesmo. Era como gritar para o fundo de um túnel e se ninguém nos respondia não sabíamos se alguém vinha. E se ouvíssemos resposta devia ser apenas o eco e nunca houve realmente ninguém do outro lado, não havia lado outro nenhum em que pudesse alguém esperar. A luz era, nesse caso, uma ilusão.
É-o assim, amiúde.
Não obstante, preparei-me também naquele como em todos os dias até lá para me livrar do passado que corria há 12 anos para lá.

-------
Éramos meras crianças quando isto começou, não sei como é que nos puderam fazer aquilo.
Éramos meras crianças e mataram-nos a todos e por todo o lado.
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Nesse dia sei que pensei:
"É incrível a mente humana, em quase todas as vezes a que me dou ao trabalho de o reconhecer.
É absolutamente incrível aquilo de que é capaz!
Podia jurar que nem há 2 segundos tinha começado a olhar lá para fora e agora passaram-se 10 minutos desde que comecei a pensar por hoje, coisa que vou ter, felizmente(?), de continuar a fazer o resto do dia, não quero ser um inconsciente...

Incrível... bastaram 10 minutos apenas; 10 minutos para que me esquecesse de que o mundo está a acabar..."

Foi um dia como qualquer um pelo resto de um verão pacato em que nada me aconteceu. Não vi ninguém, ninguém me viu. Na rua não andava gente, nos bares pouco mais habitava uma qualquer alma.

"Será que haveria futuro?" - perguntava de quando em vez a quem quer que estivesse a ouvir. Claro que haveria, claro que houve, o tempo andou mesmo que sem o conseguindo nós apanhar.
.
.
.
O relógio marcava 10 horas da manhã.

...

Aquando do dia em que nasci, sei que só uma pessoa teve a coragem para atravessar a terra-de-ninguém e vir-me ver, livrar-me do tédio. Nesse ano, ao contrário dos anteriores, o tempo teimou em não estar bom, teimou em ser como todo o resto do ano e, nesse sentido, o tempo que corria era consistente.
Quantas vezes podemos dizer nós que somos consistentes?
E quando falar do natal? Já lá vamos - "há que ter paciência" - diziam - "há que saber esperar". Pois bem, esperemos então e contar-vos-ei aquilo que mais houver.

Vivíamos uma época interessante, mas eu pecava e parecia que pecávamos todos, porque não tínhamos os relógios acertados. Sim, estávamos todos mal, sempre a teimar que apenas faltavam 3 meses uns, outros que demoravam ainda uns bons anos, e outros que duraria para sempre!

-Posso-vos dizer com certeza que não durou... talvez-

Ou talvez fossem os calendários que estavam todos mal: algures numa daquelas lojas do chinês alguém maldoso andava a sabotar o pequeno negócio e a escrever nos calendários, a alterar as datas, só podia!
Pelo menos sei que os calendários do meu barbeiro, adornados de senhoras respeitáveis, estavam provavelmente acertados, daquilo que conseguia ver dos números, claro.

Mas no meio de tudo, podíamos sempre confiar no relógio do governo que, como o relógio interno de uma mulher, nunca falhava e nós é que andávamos feitos de um monte de badalhos atrás do prejuízo, a tentar sermos perfeitos como esses tantos poucos, esse grupo inimaginável que tudo fazia bem e que, portanto, não necessitava vez alguma de ser perdoado. Aliás, sei que de 2016 a 2023 o tarifário de perdões dos governantes pouco custaram ao contribuinte e isso sim, foi uma política fiscal sã.

E neste reino em que ninguém tinha o relógio certo, todos andávamos adiantados e preparados e, ao mesmo tempo, sempre atrasados para fazer alguma coisa; uma característica que já é de qualquer lisboeta que se preze à sua nascença, se é que algum lisboeta assim alguma vez existiu. Talvez os que saíram das ruínas e do meio dos guindastes possam receber essa fama sem igual.
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O, sinceramente, falhado relógio, que tinha o maldito hábito de demorar uns imensos 9 meses a avisar-me daquilo que acontecia, talvez tenha aprendido com o ministro, marcava naquele momento 11 horas da noite, naquele mês 11 em que nasci.

...

Esse dezembro esforçava-me para não sentir o ceifar que acompanhava o nosso mundo, para lhe escapar. Talvez devesse ter sido mais corajoso, seguir os conselhos dos Blue Oyster Cult e ser como as estações: elas não temem aquele que vem ceifar, que quer tenha manto negro quer coma criancinhas acaba sempre por matar.

Talvez tenha acabado por ser como as estações e a minha indiferença, aquela que é característica do tempo, me tenha tornado capaz de chegar de janeiro a janeiro, nessa altura que apenas se pode descrever como a mais mágica para alguém alguma vez viver.

Era Natal, enfim, e diante de todo o mundo, porque todo o mundo está sempre a ver, o Tony dizia que havia um espaço de 7 dias em que o vírus não atacava, assim sobreposto com as festividades.
Muito tivemos nós que na altura esperar, muito tivemos que sobreviver com aquilo que havia e com a mente que conseguíamos ter e que não nos fugia para seguir o tempo na sua jornada, porventura por estarmos sempre errados e sem sequer conseguir distinguir as horas (posso jurar que às 17 costumava anoitecer e não me lembro de isso alguma vez ter acontecido antes ou entretanto... devia ser mesmo da porra do Geox).

Fui para o sul, nesse Natal, passar tempo num bairro, um qualquer empreendimento feito por uma empresa de espanhóis.
Era bom mudar de ares - quem vive em Lisboa sabe que o de lá está sempre congestionado, porque nem os gases sabem sinalizar nem dar prioridade a entrar nas vias nasais - e perder de vista as infinitas obras imortais da capital. Naquelas ruas era o mesmo estar alguém do que não estar, não viviam lá pessoas, ou assim dava a entender a facilidade que era por lá caminhar e o pacífico que era ouvir o som do planeta. Será que tinha sido assim com o Gama? Tinha também ele conseguido notar o barulho das engrenagens, o som que faz a maquinaria, a máquina do mundo?
Sentia-me contente a ter essa distinção dos demais que em nada se comparavam ao explorador e achei que também eu via já no horizonte a Índia.

As filhós faltaram nesse Natal, tal como faltava e falta ainda a neve que ao nosso país continuou a não chegar pelos anos que se estenderam para a frente.
Eu sabia que aquele momento não duraria muito mais, e mesmo que não fosse algum no qual eu fizesse questão de ficar parado no tempo, ainda hoje sinto que devia ter tido mais entusiasmo pelo nascimento do rapazola, apesar de ele não se ter dignado a dar-me os parabéns no meu, mas ok.
Queria, com toda a honestidade, que aquele momento pelo qual o resto da nossa gente havia esperado num exercício de pura paciência irritante - que quem conhece portugueses sabe o difícil que é pedir para ter calma... portugueses e mulheres, mas isso é um enxame de que me afasto - passasse o mais rápido possível e levasse consigo o ano novo também; uma altura que nunca em 18 anos me tinha corrido alguma vez bem.

E olhava tudo em volta e tudo rodava em torno de mim e não conseguia já voltar a assentar no solo, já quase saía disparado da realidade das pessoas normais.

Acabei eu também por me estilhaçar pelo tempo, perdido, como a memória do que aconteceu no meio disto.
Algures naquela noite de consoada, o relógio acabou por marcar 12, a meia-noite havia chegado e nem me apercebi daquilo que agora entendo: acabou.

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O Natal que nunca esqueceremos, a menos que seja por uma forte vontade de, tal como fazemos com a ciência, a sua existência negar, foi esse aquele pelo qual esperámos o mais que em qualquer ano.
Tenho ideia de que em 2020 até os centros comerciais batemos em nos prepararmos para o Natal.

The Empire of Herya

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